Desloquei-me a Braga, em trabalho. Fui de véspera, instalei-me no Hotel e telefonei ao meu Mário:
-Bora ai, vamos jantar, apanha-me, dá-me um toque que eu desço…
Tocou. Chamei o elevador e já no hall de entrada reconheço-o de costas, na contraluz… espera-me lá fora…e foi um abraço, um único abraço onde o tempo que passou é recuperado e as distâncias transpostas…um abraço assim, sem tamanho…em que o presente se reconcilia com o passado…
-O que queres comer?
Adoro comer…mas o que quero mesmo é estar com o Mário, conversar sem rumo…e apreciar a forma sensata como sabe envelhecer lentamente, quase sem deixar sinais…é um segredo, penso…é genético, sem dúvida…mas não comento …
E faço as contas à vida…ainda há pouco éramos crianças e demorava tanto a ser adolescente e agora estamos quase com 50!!! mas também não comento, fico a pensar para onde foram tantos sonhos…para onde correram os anos...
Estamos ali, ao fim de tanto tempo com uma relação perfeita…sem mácula ou rancores, sem invejas ou posse.
Tudo o que quero é ver o Mário, ouvir e falar, e ficar em silêncio…estar neste território de liberdade e aceitação, de entrega que não pretende agarrar nada, arrancar nada, impor o que quer que seja…apenas estar…tão fácil como as brincadeiras de criança…e penso que o desejável seria que todos os amigos tivessem podido brincar enquanto meninos…talvez resida ai o segredo…porque há relações que se bastam, não têm outro fim para além de si mesmas..tal como brincar…e mantêm essa candura e simplicidade! Não há nada a provar, nem exigências a fazer…só estar…
Vamos falando e escutando enquanto prosseguimos com as nossas tarefas gastronómicas….um bacalhau à casa, que neste caso é à palácio…um tinto chambré, que o empregado se encarrega de despejar nos copos…para que nunca se esvaziem completamente…e avançamos com a conversa e com o nosso bacalhau…como se fossemos donos do tempo…
E o Mário queixou-se…tinha uma reclamação:
-Não escreves no blog…abandonaste-o…
E eu senti que era como se o meu amigo me visitasse e eu nunca estivesse em casa para lhe abrir a porta, o que era imperdoável mas mesmo assim tentei explicar…
Disse-lhe que não tenho escrito…porque estou noutra fase… E estou…
Não me apetece ficar em casa a escrever…apetece-me mais ler, apanhar sol numa esplanada deserta em pleno areal, num local que só eu conheço, e que ainda não abriu as portas, porque se reserva para a enchente de Verão, onde posso passar uma tarde sem interrupções, sem as perguntas dos empregados, sem o movimento dos clientes, sem os cumprimentos ou conversas banais dos vagamente conhecidos …
Apetece-me desencaminhar um amigo para o teatro e depois vaguear pelo Bairro Alto para petiscar fora de horas…à volta do enredo da peça ou de outro episódio qualquer…
Apetece-me estar com a minha amiga de sempre a conversar pela noite dentro e poder chorar e rir..., rir e chorar....sem que a minha sanidade mental esteja a ser avaliada...
Apetece-me estar numa esplanada à beira rio, no meio de um vaivém de pessoas e onde acabo sempre por ter encontros improváveis com amigos de longa data, que seria difícil encontrar em qualquer outro sitio e de quem já só me lembro muito de vez em quando…
Apetece-me estar com o meu grupo de amigas “encalhadas” todas tão divertidas, bonitas e completamente disponíveis e rirmos com as observações tipicamente femininas….como se o mundo fosse nosso e andássemos só a disfarçar que "...não é bem assim…"
Apetece-me ir jantar fora, em grupos, às vezes somos tantos, outras vezes nem por isso, recuperar as pessoas com quem não contactei durante anos, sem razão nenhuma para além da azafama que nos vai mantendo a todos tão ocupados e perigosamente distraídos…ate que um dia acordamos e dizemos: “O quê? Já vou fazer estes anos todos?!” refazendo as contas, como uma criança que tem a certeza de se ter enganado nos cálculos…
Mas escrever não...não me apetece…
Expliquei-lhe que comigo é um pouco assim, por fases e marés… que agora a lua, que por acaso até está cheia, lindíssima, não me tem iluminado as palavras e por isso elas não têm saído lá do escuro alçapão onde se escondem tão arrumadas…não tem acontecido ter coisas para dizer, ou comentar ou inventar… as palavras não me procuram e eu não as encontro…
Mas o Mário continuou com cara de quem insiste em tocar à campainha e permanecer ali, imóvel na esperança de ouvir passos e uma pergunta vinda do interior “quem é?” .
Sinto que o desiludo…e que os nossos blogs são também pontes de amizade e sei que sempre que posso vou espreitar os seus poemas, textos e fotografias…porque é uma forma de matar as saudades e de ter o conforto da sua presença, mesmo que apenas virtual…
E porque a seguir ao domingo vem uma semana inteira de trabalho não ficamos por ali perdidos em conversa, regressei cedo ao hotel e deitei-me logo…com a sensação de ter deixado o Mário na porta intransponível da minha casa vazia…todo este tempo…
Hoje acordei sem vontade de ir trabalhar…porque na minha cabeça pequeníssimas palavras dançavam, como se reclamassem espaço no meu blog…
Há vozes que fazem eco…e nos inspiram…
-Olha Mário, quando quiseres já podes vir… voltei a casa…Vá lá….já agora deixa um comment!!!