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Maria&Matilde

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

A capuccino, please

Gosto de passear pela cidade...fazer algumas compras e procurar livros...
Faz frio e escurece tão cedo!
No fim das minhas compras, por volta das 17h as lojas começam a fechar, refugio-me no Nero ...é onde servem a bebida mais próxima do nosso café...Há uma fila na caixa, vou olhando para a vitrine e escolho um browny...sei que tem muita gordura e açucar em demasia mas apetece-me não resistir...

Chega a minha vez...A capuccino, please... and a browny,e aponto não vá ele servir-me outra coisa.
Lá dentro está quente, gosto de sentir o conforto dos sofás, o cheiro familiar da arábica e posso observar as pessoas apressadas a passarem do outro lado do vidro...sabe bem estar sentada enquanto o mundo continua a girar...
Servem-me um copo enorme cheio de espuma pulvilhada de chocolate. Agarro a bebida e fico a aquecer as mãos...
Faço umas anotações...abro o livro na página de ontem, mas não me apetece concentrar-me em nada...espreito as pessoas das mesas do lado, os vultos que se movem lá fora...
Espero que o capuccino arrefeça, levanto-me para ir buscar uns jornais, folheio-o, percorro agumas notícias e fico ali até ter coragem de ir novamente para o frio...

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Frozen heart


Merry Christmas to all


Mickey & Minie


X-Mas

Já abrimos as prendas...ja trocámos beijos e agradecimentos, vimos a alegria das criança, arrumámos os papeis amarrotados e as caixas vazias, celebrámos com champagne e agora vamos dormir...para o ano há mais...
Adeus Pai Natal

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

domingo, 23 de dezembro de 2007

O Natal não é todos os dias

Lorenzo Monaco,1422

Gosto de datas, de festas, de celebrações e ocasiões especiais...e apesar de sabermos que temos 365 dias para festejar o que quer que seja, a verdade é que não o fazemos...e por isso é bom que as datas assinalem o que temos tendência para não lembrar...e nos convidem a celebrar o que fôr...

Pelo menos, uma vez por ano temos o Dia da Mulher, O Dia da Mãe, o Dia do Pai, O Dia da Criança, O Dia dos Avós, O Dia da Arvore, temos dias para tudo e também temos o Natal, que é uma festa que é celebrada em todo o mundo, na maior parte dos casos a 25 de Dezembro...

É claro que o Natal, independentemente de comemorar o nascimento do menino Jesus em Belém, faz bem à economia e encoraja-nos ao turbo consumo, a utilizar os cartões de crédito, a fazermos intermináveis listas de compras...a sermos generosos connosco e com os outros e a desculparmos todos os excessos...depois logo se verá...temos os outros dias todos do ano para remediar os estragos...
Para além de enchermos a árvore de embrulhos coloridos com conteúdos sem grande utilidade, colocamos à mesa a gastronomia mais refinada, em quantidades que superam largamente o que podemos ingerir...pelo menos esquecemos a crise, as dietas, as restrições dos outros 364 dias, o que só por si, já é motivo de festejo...
Mas é essencialmente a festa da familia e dos amigos, em que somos convidados a mimarmo-nos uns aos outros, a lembrarmo-nos de nós e dos demais, a trocar prendas e afectos...e isso é bom sim...nem que seja mesmo uma vez no ano...
Eu gosto particularmente desta data porque cada familia cria as suas próprias tradições e celebra à sua maneira... a minha também tem as suas...e a mais importante é a que estamos juntos....porque não é Natal todos os dias...

sábado, 22 de dezembro de 2007

Fronteiras


Cruzaram-se no espaço virtual num Fórum sobre Direitos Humanos...tropeçaram nos respectivos nicks como se estes constituíssem uma palavra-passe, um código reservado aos dois, um chamariz imperceptível para os outros ...

Daí a pouco estariam a trocar endereços de e-mail e MSN...mais tarde não saberiam reconstituir a sequência dos acontecimentos nem como tudo se tinha precipitado, quem tinha tomado a iniciativa nem tão pouco quais teriam sido as palavras mágicas inciais...tudo lhes pareceu que se tinha desenrolado de uma forma natural...

Era uma sensação bizarra para ambos, que inexplicavelmente desafiavam as probabilidades estatísticas e o destino que os tinha colocado em continentes diferentes...unidos em geografias tão distantes...

Teclavam de forma compulsiva, tecendo uma enorme rede de cumplicidades e segredos nos seus longos encontros on-line, não obstante os fusos horários, permaneciam horas a fio, esquecendo o tempo real, o sono, o lazer e às vezes o trabalho... e demoravam eternidades para se despedirem como se faltasse sempre mais uma palavra, um pensamento, um último adeus... que esperavam que fosse afinal um até breve...

Criaram diminutivos e enereços de MSN exclusivos para eles...trocaram fotos para encurtar as distâncias, viajaram pelas respectivas vidas, como não o fariam se tivessem sido apresentados por um amigo comum...
Falavam de tudo e de nada, dos filhos já independentes, das carreiras e dos amores magoados, das agendas sobrecarregadas e do corre-corre sem fim, dos prazeres que partilhavam separadamente, e de tudo o resto...leitura, música, pintura e projectavam viagens que ambos gostariam de fazer...quem sabe em conjunto?

Inventavam possiveis encontros e um futuro à espera...Para trás iam ficando as questões humanitárias, preocupações partilhadas mas rapidamente esquecidas ...

E um dia souberam que iriam coincidir por umas horas em Paris, ambos em viagem profissional...mesmo que os voos, ela a chegar e ele de regresso, não permitissem mais que um breve encontro no aéroporto, a ambos pareceu a ocasião fantástica e a cidade a mais indicada...

E quando o momento chegou tudo aconteceu da mesma forma natural, ambos se reconheceram entre a multidão, abraçaram longamente, como fariam velhos amigos, de imediato começaram a falar com a mesma familiaridade com que costumavam teclar…e as horas de que dispunham passaram, parecendo breves instantes, entre a chegada e a partida …

Desde então, quando se encontram on-line, sentem uma certa estranheza…uma vez transposta a perigosa fronteira do mundo virtual…o peso das respectivas vidas materilizou-se e passou a ser mais dificil sonhar...
Mas passados tantos anos desde o encontro em Paris, ainda sentem que mais ninguém os conhece tão intimamente e por isso regressam sempre ao MSN ...

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Paisagem transmontana



O céu está limpo, num azul que se estende sem imperfeições, o sol branco impera, intenso, espalhando uma luz fria...

O dia despertou coberto com um manto de geada… a berma, os campos, a terra, as arvores estão envolvidos numa finíssima camada de gelo… Ao longe um olival parece um rebanho de ovelhas por tosquiar, imóveis, certinhas, alinhadas, disciplinadas… e sorrio, é como se a natureza tivesse o seu lado infantil de criança, e acordado com vontade de refazer a pintura do dia anterior, passando um lápis de cera branco sobre toda a superfície da folha…farto dos próprios traços altera a paisagem, joga com a percepção, experimenta novas sensações, recria e diverte-se …

Ligo a chauffagem, aumento o som do rádio e as noticias confirmam uma onda de frio…”Portugal treme”, estamos em Dezembro! A temperatura é negativa…talvez seja um privilégio ainda termos Inverno, Inverno com frio, geada e até nevões…Imagino toda esta paisagem submersa em neve…sempre com um sol vigilante, generoso em luz sobre um sonho branco, limpo, sem mácula…

Conduzo por cima de um massa espessa de nevoeiro, que parece querer desprender-se do solo…e que me cria a estanha ilusão de estar a sobrevoar as nuvens…tenho vontade de acelerar…

Observo tudo com encanto. Os montes ao longe ameaçam ser o limite do mundo… de repente a paisagem começa a acinzentar-se e com surpresa, após uma curva sou engolida por uma nuvem de nevoeiro, espessa, como um véu que retém a luz, a estrada funde-se com o branco que invade tudo, ligo faróis de nevoeiro, desacelero a velocidade… distingo apenas os faróis na direcção contrária…

A paisagem perde os contornos, os montes tornam-se irreais e eu continuo a conduzir, tentando adivinhar o caminho que ainda ontem estava ali…

Viagem a trás-os-montes I


Não vou alongar-me com a generosidade destas gentes, que se ofendem se as visitas não aceitam as honras e recusam o petisco que é colocado prontamente na mesa, sobre as toalhas de linho grosseiro…Nem me quero perder em detalhes com a gastronomia única, as sopas de sarrabulho e toda a espécie de enchidos…

Mesmo quando venho em trabalho consigo sempre organizar encontros com amigos tão antigos, primos e parentes mais afastados, jantares e caminhadas a pé, saídas e longas conversas…tudo bem gerido para não melindrar ninguém e poder corrê-los a todos…um petisco aqui, um copo ali…sem exagerar muito porque ainda tenho que passar acolá…

O meu horário permite-me uma imensa liberdade…passear durante o dia e trabalhar em pós laboral…não é sempre assim, mas é um privilégio que me vou concedendo nas épocas em que ando mais condescendente comigo mesma e me repito para aliviar a culpa “Eu mereço” e é claro que mereço muito!

Mas esta viagem tem outras implicações, outros objectivos…é umas reunião de pessoas que eram uma família e passaram a ser herdeiros. Estamos todos aqui para dividir o que ainda não foi vandalisado de uma casa que teve dias felizes mas que agora tem os dias contados…vimos aqui vasculhar os cantos para resgatar memórias alegres, como se os objectos nos trouxessem de volta as horas, os dias e os anos que se consumiram tão silenciosamente…na esperança de encontrar atrás de uma porta os risos perdidos e as gargalhadas soltas…

Levaremos objectos para casa, sem saber porque não temos coragem para os abandonar ali…onde sempre pertenceram…onde talvez devessem para sempre permanecer…para aliviar a culpa em assistirmos calados à demolição da casa que foi o símbolo de uma família…

Viagem a trás-os-montes II



Na minha infância, o estado das nossas estradas, estreitas, sinuosas, esburacadas, sem bermas, fazia do pais, um pais enorme…maior ainda se tivéssemos o azar de seguir atrás de um camião que não facilitasse uma ultrapassagem…gigantesco ao olhar de crianças que contavam os minutos, ansiosas por chegar a um destino…

-Ainda falta muito para chegar?- repetíamos incessantemente…

Lembro-me das horas intermináveis, curva contra –curva, numa viagem medonha, via o serpenteado da serra do Marão, onde muitos perigos espreitavam na nossa imaginação fértil de criança…malfeitores escondidos, o gelo, as escarpas, as ultrapassagens, uma avaria, o cair da noite, reflectindo o receio dos adultos e recriando o suspense de uma cena de um filme passado na TV, a preto e branco, na altura…

Era assim, numa constante impaciência, até que o embalar das curvas e o cansaço da viagem, nos fizesse adormecer…para só acordarmos estremunhados com a excitação da chegada, a vista da casa toda iluminada, o alarido dos beijos e o aperto dos abraços dos avós, e despertar com os olhos esbugalhados com as prendas embrulhadas e toda as surpresas preparadas com minúcia, por quem muito anseia a chegada dos netos e lhes sabe adivinhar os desejos mais secretos…

E depois entravamos num mundo de sensações em que tudo é perfeito… o cheiro da comida preferida, as guloseimas e os mimos todos, o som do crepitar da lenha na lareira, o mistério das brasas incandescentes e o fascínio das chamas…

Permanecíamos a pé até cairmos exaustos de sono entre os lençóis frescos de linho, sob o calor pesado dos cobertores de papa enquanto a avó nos ajudava a proferir a oração da noite
“Menino Jesus,
dá-me a tua mão,
que sou pequenina
e caio ao chão”

Recebíamos um beijo na testa …“Dorme bem, amor”…e a luz apagava-se…

Por isso quando aqui venho reencontro sempre a minha infância e o mundo mágico que só os avós e os netos conhecem…

Estórias reais de plebeus I

Vou chamar-lhe Maria…

A Maria era “criada de servir”, como na altura se designava, em casa dos meus avós maternos numa vila transmontana, que agora é cidade…

Servir de criada, era um destino frequente para as raparigas de famílias pobres, incapazes de prover o sustento dos filhos, quanto mais, mandá-los para a escola…e ainda por cima sendo uma rapariga !!!

Não sei se a Maria chegou a frequentar a escola, provavelmente não, nunca lhe perguntei por um certo pudor e por receio de reabrir o que pode ser uma ferida antiga… sei que é analfabeta…mas sabe fazer contas e até tem orgulho no calculo mental, ninguém a engana nos trocos… nem as moças com estudos que estão nas caixas registadoras do supermercado onde se abastece…

A mãe também servira em casa dos meus avós e foi lá que se dirigiu para confiar a filha porque era grande a prole e difíceis os tempos…

Chegou franzina, com um estômago pequenino, ainda meia criança, descalça e com a roupa remendada…lembra-se de lhe terem arranjado logo uma farda e avental, limpos, passados, mas o verdadeiro luxo foram os primeiros sapatos, que nunca há-de esquecer…no início não se acomodavam os pés, aleijavam-lhe os dedos…depois lá se foram habituando…

Ficou inicialmente sem ordenado, para aprender, o pouco trabalho e vontade em troca do seu sustento e depois, logo se veria, conforme a rapariga se “ajeitasse” assim ajustariam. E lá ficou em regime de internato, mesa, cama e roupa lavada, a partilhar o quarto da torre com as outras criadas… aos cuidados da minha avó materna.

A verdade é que a Maria se ajeitou, e por lá se acabou de criar, fez-se uma boa criada e em pouco tempo teve direito a ordenado “pôs” corpo e tornou-se também mulher…

Estórias reais de plebeus II

A Maria veio parar a nossa casa em Coimbra por altura do nascimento da minha irmã, a minha mãe lá desabafou a sobrecarga de trabalho e a minha avó, prontificou-se a mandar reforços…veio a Maria em socorro…

Eu teria então uns 3 ou 4 anos e acho que ela ainda me vê com os mesmos olhos quando me trata “por menina” …alheia ao facto de eu já não usar transas…

Imagino a aventura para uma jovem que nunca tinha saído da terra…viajar da vila transmontana para a “cidade dos doutores” , os medos da viagem interminável e os receios do desconhecido que a esperava na cidade…

E a Maria ficou um tempo a servir-nos…e afeiçoou-se a nós e regressou à terra para casar e fomos tendo noticias à medida que os filhos foram nascendo e crescendo…e sempre que lá íamos de férias, lá vinha ela, a pé da aldeia para mostrar com orgulho a sua descendência e matar saudades dos outros meninos que servira tão longe e que deixara ainda tão pequeninos…

Aparentemente tudo corria bem, a minha mãe manteve sempre um carinho muito especial e alegrava-se com as notícias que lhe davam conta que a Maria estava a construir casa, que os filhos estavam na escola, que o marido era um electricista com trabalho e que a família prosperava….

Estórias reais de plebeus III

Não sei sequer se se chama Maria, porque ela é conhecida e sempre a tratei por outro nome…

Baptizá-la nesta idade pode parecer excesso de discrição porque a estória dela não é segredo para ninguém que a conhece…nos meios pequenos não existem segredos…estes são uma conquista das sociedades anónimas, em que nos tornámos…nas aldeias, mesmo que não se queira, é tudo partilhado, aberta ou veladamente, mas sempre comungado..

A Maria sempre se comportou como se de um segredo só seu se tratasse, nunca tendo comentado o assunto, feito uma queixa, deixado cair uma inconfidência muito menos que se abeirassem dela com perguntas ou insinuações e manteve-se alheia aos rumores…mas isso não impediu que se soubesse e que toda a gente comentasse, um novelo de pormenores à volta do seu drama…

De repente constou que o marido abusava sexualmente da filha mais velha, que a Maria descobriu o incesto e que no meio da sua dor inconsolável tentou repetidas vezes suicidar-se…por isso esteve internada por diversas ocasiões, recusava-se a viver, não tinha vontade para nada…

No meio de seu desatino não pode impedir o marido de fazer dividas que os levariam a perder a casa e todos os bens que tinham amealhado…e por isso, para além da família destroçada, sucedeu-se a ruína completa e o ver-se de um dia para outro com os filhos ainda por criar e sem um tecto…

O marido abandona-a, vai para França…ela nunca mais o voltará a ver, leva a filha mais velha com ele, por isso acaba por perder os dois…

A sua boca fechou-se, nunca mais falaria do marido…nunca comentaria o sucedido, carregou-se de negro…

Estórias reais de plebeus IV

A aldeia viveu estes acontecimentos em grande agitação, mas quando a Maria passava no seu imenso luto de silêncio, todos se calavam, ninguém conseguiu tirar-lhe um queixume, ninguém teve coragem para lhe falar do assunto..

O marido foi condenado pela aldeia inteira, nas conversas de boca a boca, à saída da missa…nos intervalos da lavoura, onde fosse...

”Nunca se viu uma coisa assim!”
“Onde é que este mundo irá parar?”
“O que ele precisava era de umas boas chibatadas”

Não havia memória de um tamanho escândalo, muito menos num local onde normalmente não se passa nada, nem se espera que venha a acontecer… de repente havia motivo de conversa e indignação.

A Maria ficou com os filhos mais novos…a solidariedade e a esmola de alguns permitiram que a família desfeita fosse abrigada num barraco sem condições, a ajuda dos vizinhos chegou na assistência às crianças providenciando alimentação durante os períodos de incapacidade, convalescença e internamento da mãe…

Aos poucos a Maria foi recuperando, era seguida nas consultas de psiquiatria, tomava os medicamentos prescritos pela doutora e foi gradualmente arranjado horas como mulher a dias em casa de umas senhoras…

Passou a dedicar todo o seu tempo e energia ao trabalho e aos filhos mais novos…melhorou as condições do seu casebre e continuou a mandá-los para a escola para aprender …tudo na maior pobreza…

O marido não voltaria à aldeia, ficou-se por terras francesas, onde lhe eram conhecidas mulheres e uma vida de gastos e excessos…chegavam os ecos aos seus ouvidos mas a Maria não comentava as noticias…

Estórias reais de plebeus V

Muitos anos passaram…criou os filhos pequenos sem proferir uma palavra de revolta contra o pai..estes cresceram no silêncio. O mais velho conseguiu arranjar trabalho em Lisboa e acabou por chamar o irmão, na grande cidade existem mais oportunidades. A Maria passou a vê-los de quando em onde, mas não se sentiu abandonada porque eles ligam com frequência e o que ela quer é que ele façam a vida como for melhor para eles…

E depois vieram os netos, que à força de os ter tão pouco tempo, beija as fotografias que chegam em envelopes carimbados com nomes dos arredores de Lisboa…

No Verão passado, a Maria teve conhecimento que o marido tinha morrido, a mulher com quem vivia tinha-o abandonado durante a doença prolongada e ninguém reclamava o corpo e por isso ela responsabilizou-se pelas despesas, tendo gasto todas as economias para mandar vir o corpo de França para lhe fazer o funeral…

Fez-se o enterro no cemitério da aldeia com missa, não havia ninguém a chorar, excepto a Maria, que se contorcia em dores, convulsionava em soluços, e se desfazia em imensos gritos de dor quando "o corpo baixou à terra"…foi a comoção geral…a aldeia ainda estava cheia de rancor, não tinha esquecido as ofensas… foi a estupefacção dos presentes...que ainda hoje comentam o espanto...

Depois do enterro voltou para casa em silêncio…e no dia seguinte retirou o luto em que estava encerrada há mais de duas décadas...

Quando a vi, dei-lhe o pêsames e ela abraçou-me, agarrou-se muito e conseguiu dizer entre soluços “Sabe menina, era o meu homem, e mal por mal, prefiro tê-lo agora perto de mim…”

As flores da campa do seu homem nunca secam, visita-o regularmente, enfeita-lhe a laje de mármore e conta-lhe as novidades dos filhos, das senhoras, as notícias que dão na TV…
A morte saldou as contas entre ambos e trouxe-lhe o marido de volta….

Estórias reais de plebeus VI

Claro que não vou falar no assunto e sei que ela não votará a mencioná-lo mas imagino que agora tenha uma vida mais leve…entre o trabalho nas senhoras e a paragem diária que faz na campa do marido para sentir a companhia que lhe faltou tanto tempo…

A morte e o perdão espontâneo abrem também perspectivas para o reencontro com a filha exilada em França…anos a fio de separação e dor…

Ainda não me encontrei com ela desde que aqui estou, mas está presente nos pormenores de como preparou a casa para a minha chegada...

O meu quarto estava quente e a cama feita com todo o cuidado… Quando me enfiei debaixo dos vários edredons senti o calor do mimo que só se desfruta verdadeiramente na infância e comecei a escrever à espera do meu encontro com o sono, que teima em demorar..

Marias


Quase todas davam pelo nome de Maria, não sei como se distinguiam entre si...
Ficavam todas alojadas no "quarto da torre" local privilegiado para a observação dos incêndios que tanto ameaçavam os serões de verão...ou para espreitar, com rezas a Santa Bárbara, os relâmpagos das trovoadas... eram as duas ocasiões em que nos era permitido subir ao quarto da torre...
Para mim, era a divisão que maior fascinio exercia...imperava na casa rematado pelo cata vento, que eu gostava de observar...

Conheci várias criadas em casa os mês avós…Para mim foi sempre um enigma como é que as pessoas podiam esgotar a vida a trabalhar para uma família e ainda sentirem reconhecimento, dedicação e verdadeiro amor…

Sentiam-se agradecidas pelo facto de os meus avós lhes terem “matado a fome”, porque nunca poderiam esquecer aquilo que, quem nunca passou por lá, também não pode lembrar, é que a fome mata…

Recordo essas passagens e compreendo como aquela casa funcionava como um centro de acolhimento, onde as raparigas vinham, pela mão das mães, e eram entregues à vigilância e cuidados da minha avó para que ela as acabasse de criar.

Mas era também um centro de formação, onde as raparigas aprendiam a cozinhar, limpar, cozer, lavar, passar a ferro, jardinar, etc. e assim poderem ter um futuro… fazerem-se umas donas de casa...

Outras vezes, servia como um centro matrimonial porque normalmente, o novo regime alimentar permitia-lhes ganhar formas de mulher, serem notadas pelos rapazes da vila e quem sabe, casarem-se na primeira oportunidade…Os meu avós apadrinhavam o enlace e faziam o casamento…

Se não tivessem essa sorte, por ali ficariam, a menos que a minha avó as cedesse, por especial favor, para alguma casa de confiança das suas amizades…uma espécie de centro de emprego…
Foi assim que conheci várias Marias que testemunharam o seu reconhecimento e gratidão...em troca deram anos do seu trabalho e dedicação à família...era assim...

Origens




Tenho origens transmontanas e por isso aprecio muito esta paisagem agreste, rude e simples que Torga tão bem descreve…um céu infinito e o recorte de montes, para além dos montes….como uma imensidão sufocada, delimitada por fronteiras volumétricas.


Conduzo com prazer, está um dia de sol, um céu intocável, uma luz de Inverno especialmente branca… Abro a janela para inspirar o ar, sinto o frio nas narinas, inspiro fundo o ar puríssimo, e sei que conheço este cheiro desde sempre…


Observo o céu, adivinho o entardecer fantástico, em que o sol se incendeia nos montes que se sucedem uns aos outros e antevejo à noite um fundo tão negro que faz sobressair ainda mais o brilho das estrelas…


Recordo noites tão antigas de verão no terraço dos avós maternos, em que as estórias se misturavam com afectos e revivo todo o encantamento que resta da infância, nas memórias que perduram de pirilampos e estrelas cadentes…

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Queria que isso fosse assim para sempre…

Sabemos tantas coisas, mas não as lembramos suficientemente. Sabemos o quanto tudo é efémero…mas esforçamo-nos por esquecer…como se quiséssemos à força desaprender a lição…

Poisamos o olhar sobre as coisas e preferimos sentir que elas permanecerão estáticas, tal qual as percepcionamos, assim para sempre…

E quando encontramos regularmente as pessoas em determinados sítios habituamo-nos a imaginá-las “localmente” bastando regressar a um lugar para as encontrarmos, como se estivessem lá para sempre…

Soube que morreu o Fernando do Café Avenida…

É estranho estar a escrever sobre isso porque não era íntima amiga dele nem sou frequentadora do café (nem deste, nem de qualquer outro)…É um café na avenida onde resido e o Fernando trabalhava lá há certamente várias décadas…recordo-me dele há tanto tempo, sempre a atender, com um humor e trato especiais…e cruzávamo-nos regularmente…e queria que isso fosse assim para sempre…

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

MASSIEL-20 ANIVERSARIO: PALABRAS

Vinte anos ou menos

Os enfeites da rua lembraram-lhe que se aproximava mais um Natal...
Estacionou o carro à frente do portão da casa...estava sem paciência para o meter na garagem, ficaria ali mesmo...
Sem olhar para o relógio, pelo movimento da rua, podia perceber que se tinha atrasado...novamente...era cada vez mais frequente...

Sentia-se cansado, e tinha planeado enviar uns emails antes de jantar, mas receava que a cozinha do restaurante ao lado fechasse e depois teria que suportar, uma vez mais, o sorriso da dona a dizer "por especial favor, para o sôtore, posso arranjar umas bifanas".

Estava farto das bifanas por favor, do sorriso por favor...não iria enviar os emails, fá-lo-ia depois.

Entrou em casa, apenas para se livrar da gravata e do casaco do fato...afinal, merecia, ao fim de mais de 14 horas de trabalho...Era este o ritmo dos últimos anos...ao menos livrar-se da gravata...e trocar o casaco pelo conforto de uma camisola de lã...

A mulher parecia não ter dado conta do seu atraso nem da sua chegada...Não o esperava, nunca o esperava e por isso era indiferente a hora a que regressava, se regressava...Cumprimentaram-se à pressa, ela porque estava a ouvir o tal programa na Tv ele para evitar a "bifana a saber a sorriso-por-favor"...~
A mulher estava preparada para se deitar, à espera que acabasse o programa na televisão...Comentou que tinha que levantar-se cedo e ele recordou-se que ela viajava de madrugada, certamente para um congresso ou uma reunião, já nem se lembrava, tinha esquecido os pormenores...era qualquer coisa que lhe dissera há talvez um mês..
Havia sempre tanta coisa a pairar na sua cabeça..fingiu lembrar-se, na esperança de a agradar levemente ou talvez para não ouvir que era insensível e indiferente...magoava-o com estas palavras duras, porque ele não era uma coisa nem outra...
Quando chegasse do jantar já ela estaria a dormir...era assim há algum tempo, habituaram-se gradualmente a dormir 1º em camas separadas, depois em quartos distintos, até que passaram a fazer as refeições sós e agora até as férias independentes...
Tudo com palavras contadas, para não se agredirem, para não recomeçarem a relembrar todos os ressentimentos...as culpas recíprocas...umas trazem as outras...por isso quanto menos melhor...

Sim, doi-lhe levemente...mas não pensava nisso, ao fim de tantas relações amorosas, logo esta que começara como uma paixão arrebatadora, uma urgência de sentimentos e sentidos, uma atracção a que nenhum conseguiu resistir e dois casamentos dissolvidos por tão pouco...com filhos no meio da confusão...Juraram a si mesmos que era desta, amor para sempre, mas já se sabe que o sempre é apenas enquanto dura...

Para quê? Apenas 20 anos depois, nem isso..Não tinha energia para mudar. Ficará assim, ficarão ambos assim, nesta infelicidade partilhada, neste abandono consentido que se foi surdamente instalando...
De vez em quando uma paixão vem estremecer tudo...relembrando vertigens antigas e tentando-o a recomeçar de novo, a partir noutra direcção, rumo a um destino longinquo, a viver a ilusão do salto que se calhar acabará por não dar, atados um ao outro, não pelo desejo, não pelo afecto, mas por estranhos e cegos laços que eles próprios não conhecem ...alguma coisa será...
Seria possível alterar o curso da vida? Seria inevitável que a distância e o silêncio se tivessem apoderado deles? Teria que ter sido assim? Seria este o fim de todas as relações? Até que momento teria sido possível reverter este percurso de solidão partilhada?
Podia desculpar-se com o trabalho, com a crescente pressão que as várias promoções acarretaram, com a rotina cega que mata, aniquila, anula...e ele também tinha queixas, dores, incompreensões, é claro que era assim para os dois, a vida é dificil em ambos os sentidos...
Também ele remoia as sua próprias culpas...lembrava-se de ter abdicado de tudo pelo trabalho, para subir na carreira, para merecer o reconhecimento, pelo sentido de dever e talvez pela ambição, também...e abdicou dela, sim...esqueceu todas as datas, os aniversários, não estava nos dias das comemorações, deixou arrefecer todos os jantares e consumir as velas...mas não julgara nunca que chegariam a isto...a este deserto em que as emoções secaram e onde nunca chove...
Mas mudar para quê? Que faria a todos os seus livros, Cds, quadros? Que trabalheira!
Viveriam assim certamente, muito tempo, quem sabe para sempre? Ele a dormir no seu escritório, forrado a livros, ela no quarto do casal que já tinham sido, replecto de fotografias de uma paixão extinta...numa dura convivência pacifica em que ambos garantiam a distância apropriada para evitar confusões e conflitos, acima de tudo o importante era não darem espaço a estados de espírito negativos...indesejáveis para ambos...esgotantes e desnecessários...
Lembrou-se de uma música antiga, afinal os artistas não inventam nada, só cantam o que já existe, o que sempre existiu..."que fria está esta casa..." recordou...ainda não tinham passado vinte anos e aproximava-se mais um Natal...mais um Natal, sem intimidade...
Consultou o relógio...estava a demorar-se tempo demais...iria ter que engolir a bifana do sorriso... por favor, sôtor...e não sentiu fome mas tristeza ...

Veja meu Slide Show!

Humanos e outros animais

Domingo de manhã

Sentia-se sempre ridícula, nestes domingos de manhã...tomavam o pequeno almoço tardio, mal dormidos, vestida ainda com muitos brilhos para aquela hora do dia, na roupa de sábado à noite, talvez com marcas de maquilhagem mal removida...olhava à sua volta e era evidente que não era ela apenas a estar naquela situação, na mesa mesmo ao lado, uma mulher madura estava ridícula, vestida e pintada "de véspera"...
Mexia o capuccino, estava absorta, mergulhada na espuma branca pulvilhada com chocolate e canela, quando ele interrompeu, como fazia tantas vezes...
-Um beijo pelos teus pensamentos...
Surpreendia-a sempre quando ela divagava, mas como poderia explicar-lhe as dúvidas, os receios, os pensamentos tão pequeninos...talvez sem qualquer fundamento...mesmo as amigas se impacientavam"vá, deixa fluir, não compliques..." Era a sua natureza essa, a de ficar assim a pensar em nada...e foi o que lhe respondeu...
-Em nada de especial-e ofereceu-lhe os lábios de forma mecânica...permanecendo ainda mais misteriosa e encerrada em si própria.
Ele apreciava nela tudo aquilo que possuira há tanto tempo...a pele tão lisa e fresca, o olhar enorme de espanto, o corpo ágil, ossudo e definido, que no conjunto lhe conferiam um ar de fragilidade adolescente, apesar de já estar nos trintas e...
Ela não sabia porque estava ali...repetia sempre para si mesma que aquela seria a última vez, vezes sem conta, e por isso vinha, nunca faltava a estes encontros impossíveis, sempre pelo mesmo motivo, despedir-se...
Não entendia o estranho magnetismo que ele exercia...e que a fazia correr riscos, inventar desculpas, alterar a agenda, arranjar viagens profissionais que nunca existiam...em suma mentir e trair...Sabia que não poderia manter a situção por muito tempo, nem queria...por isso, estava aqui apenas para se despedir definitivamente...mais uma vez...seria desta sim...
E desejava pôr um fim a esta relação, temia ser descoberta, desmascarada, desmentida...morria de medo.
Não sabia das razões para estar ali, para justificar que se encontrava com ele, uma vez por mês, para explicar as falsidades em que andava...não havia motivos...
E olhava para ele, já tão cansado, sorria...ele olhava-a sempre, talvez estivesse ali o segredo...talvez gostasse da forma como ele a olhava...talvez não fosse pelo desejo mas pelo afecto...pelo desejo daquele afecto...

"Tu encanto se herá irresistible"

A minha companheira de vôo era madrilena e depois de trocarmos algumas palavras ibericas, gentilmente, ofereceu-me a revista que trazia para a viagem e cuja leitura tinha já concluído...chama-se Yo Dona é do grupo editorial El Mundo e traz na capa a fabulosa Inès Sastre.

Há muito que não lia um horoscopo e não resisti, reza assim:

Virgo

En el plano laboral, tendrás la mente despejada para hacer frente a una serie de problemas que deberás solucionar. Si consigues poner una nota de optimismo e alegria, tudo será mucho más llevadero.

En el sentimental, viverás momentos intensos e idilicos. Concédete esos placeres que te apasionan y disfrutas como nadie: cenas suculentas, paseos al entardecer, salidas nocturnas...

E remata a bold "Tu encanto se herá irresistible"

Eh lá!!!

Obrigada Kikinho pela mulher na arte

domingo, 2 de dezembro de 2007

Vôo TP 728


Vôo TP 728 com destino a Lisboa...

São 18 horas e o avião está atrasado...já devia ter partido, mas não..parece que é habitual...não quero repetir a palavra que usaram "normal", como pode um atraso ser normal?

Estou na zona de boarding...e aguardo...a maior parte das pesoas comprou revitas côr-de-rosa...mas nem sempre as cores das notícias são suaves...lêem sobre o caso Maddie...A capa anuncia que os familiares de Kate estão preocupados porque ela não dorme nem come...não sei se por esta ordem...ou se não come nem dorme...

É um aeroporto pequeno...as lojas de free shop estão abertas mas há pouco movimento, nada comparável à afluência de Natal e Ano Novo que já se aproxima ou à mais longínqua época de Verão...

Talvez por isso o vai-vem de pessoas não seja particularmente interessante...uns jogam nas suas máquinas electrónicas, outros falam ao telefone, outros ainda, entretêm-se com o mediátio casal...não há olhares nem sorrisos cruzados nem ninguém suficientemente exausto para se esticar nos bancos a dormir...um grupo de jovens ri...estão demasido longe para os ver...adivinho os rostos em função das garalhadas...

Aviso que o meu vôo está atrasado, para não me irem buscar no horário... e ligo-me à Internet. Tenho o mundo no regaço... Retiro o cartão de memória da máquina fotográfica e introduzo-o no meu portátil...e aparecem-me imagens cheias de cor em slide show...

Revejo as fotos da Madeira...os últimos dias foram cheios...procuro imagens que me permitam reviver a intensidade destes momentos, elimino, rodo, selecciono, anoto e carrego para o blog...mas as fotos nunca contam tudo e por isso ponho-me a escrever...valerá a pena dizer que não me apetece partir, que já tenho saudades?

De repente uma chamada de uma voz feminina, metálica, impessoal, invulgarmente alta e estridente soa por todo o lado, interrompo...

Attention please...This is the last call...

Mas não, ainda não é para mim...

Volto para o meu exercício...concentro-me de novo no meu blog...
Já lá vão os tempos em que viajava com uma tesoura minúscula, cola, lápis de cor e um pequeno diáro de viagem...carregando misteriosos rolos fotográficos...imagens e efeitos desconhecidos...a aguadar a revelação...

Nessa altura, aproveitava a espera ou esperas para alinhar pensamentos, organizar as memórias...pôr ordem nas emoções, relaxar um pouco...e cortar e colar, fragmentos ds férias, das viagens, ingressos em museus, contas de retaurante, recibos de hoteis, bilhetes de transporte, desenhos em guardanapos, endereços anotados num pedaço de papel...um sem fim de pequenos nadas...

Mas um dia, confiscaram o meu pequeno tesouro, que por acaso era apenas uma tesoura pequenina...não pelo perigo que pudesse representar, era mesmo minúscula, mas porque cabia no conceito de tesoura, afinal era de uma tesoura que se tratava...Os serviços de segurança pós-11/09 classificariam como objecto interdito, sem especificar o tamanho...como se qualquer tesoura fosse passível de provocar um temível ataque terrorista, há anos que me acompanhava worldwide...mas ficou ali, num caixote de lixo, no aeroporto de Miami, logo após o RX e enquanto eu ainda apertava o cinto... a minha tesoura e companheira...em nome da segurança dos passageiros e por um mundo melhor, ficou pra trás...

São 18h30, continuo paciente, como eu muitos outros passageiros...É assim, que espero agora... Estou absorvida entre o blog e as fotos...e ouço a mesma voz estridente de sempre:

Attention please...This is the last call...

Oops, tenho que ir...é desta!

sábado, 1 de dezembro de 2007

Tempo para mim



Prolonguei a minha estada na Madeira, para tirar tempo só para mim...sem telefone, sem msn, sem emails...Fora do mundo...como há muito tempo não fazia...

Percorri a ilha, subi no teleférico, passeei pela Marina, observei os barcos de cruzeiro a partir, deambulei pelo centro da cidade, para constatar que é quase Natal e já brilham os enfeites natalícios, espreitei o mercado que estava fechado ao feriado e disparei a máquina fotográfica em todas as direcções...

Em termo de gastronomia tem sido inesquecível...pude apreciar o vinho branco local, provar a poncha (1/3 de mel, 1/3 de sumo de limão e 1/3 e aguardente de cana a temperatura ambiente), os fritos de milho, o pão de alho, o bolo de caco, as queijadas de requeijão, o filete de espada com banana, a espetada de carne em pau de loureiro, a mista de peixe, mariscos... e ainda mascar cana de açucar, beber batido de anona, abacaxi, maracujá...

Tentei ver o máximo, fazer o máximo no pouco tempo que me restava...e aqui estão as fotos para recordar sempre...

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Palavras procuram-se

Há dias em que é uma prioridade, talvez até uma urgência...escrever, ordenar as ideias que surgem , procurar a palavra que falta ou a pontuação correcta. Noutros, nada sai, nem palavras nem ideias..e por isso impossivel pontuar o que não existe.
Hoje acordei com a cabeça cheia de palavras, pensei em anotar, perante a impossibilidade de vir aqui escrever nessa altura...chamadas telefónicas, preocupações, assuntos, outras emergências a sobreporem-se... tanta coisa a chamar, a reclamar atenção... e às 9h30 ter que estar a trabalhar....A decisão "fica para mais logo..."
Agora queria relaxar, distrair-me do peso do dia, aliviar a tensão e vim para aqui....mas surge-me uma caixa em branco...espero....não vem nada, não sai! Como vou preencher isto? Não sai...mas costuma ser fácil, epera...mais um pouco...
E então as ideias da manhã? Por onde param as palavras com que acordei cedo?Andam por ai a vaguear...não sei...mas se alguém as encontrar, por favor avise...quero-as de volta...sinto falta de as ordenar, sem elas fico sem saber o que dizer...

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Não vá o diabo tecê-las


"Esperemos simplesmente que as crianças que nascem hoje ainda tenham, daqui a vinte anos, um pouco de erva verde para os seus pés descalços, um pouco de ar puro para os seus pulmões, um pouco de água azul para embarcar, e uma cauda de baleia no horizonte para preencher os seus sonhos." Jean-Jacques Cousteau

Senti saudades de vagabundear na Marina da Horta, no Faial.

Na minha visita às ilhas açorianas, o coração ficou-me preso nas magnificas pinturas que cobrem toda a marina e que os velejadores executam meticulosamente antes de partir, "dá boa sorte", dizem os supersticiosos...e nestas coisas, o melhor mesmo é, está-se a ver , cumprir a tradição, "não vá o diabo tecê-las", porque há sempre estórias a confirmarem a maldição dos que ousaram levantar a âncora sem deixar o seu contributo artístico no magnifico cais da marina...e "quem te avisa, teu amigo é..."isso também sabemos...

Mas apesar dos velejadores serem supersticiosos, eu não sou, mas concordo que a marina tem a sua mística, e não hesitaria em fazer o melhor rabisco, tão perfeito quanto fosse capaz e pintá-lo com as cores mais garridas para que vibrassem ao sol.., não pela sorte ou azar que me trouxessem, mas porque me agradaria pertencer àquele imenso mosaico de cores e formas que se estendem por todo o lado...das paredes ao chão...e do chão até tocarem o imenso oceano...que por sua vez toca de leve o céu todo...

Esta pintura não se decora nem se fixa porque se reinventa e se renova a cada instante, a cada simples partida, a cada adeus, como um enorme camaleão preguiçoso e esticado ao sol...as mais recentes sobrepondo-se às mais antigos que se vão gastando de tanto serem olhados, desbotando de tanta luz, perdendo o brilho de tanto sol, cedendo espaço a novas criações...metamorfoseando-se ao sabor das marés que espreitam o Pico...

E é bonito e emocionante aquele painel, porque é o testemunho de vidas que se cruzam por ali, por certo sem ali coincidirem ao mesmo tempo, sem se tocarem ... mas que sem dúvida foram tocadas por esta mesma paisagem de beleza ímpar...

Desejei voltar, para ficar por ali, perdida, meia distraida, quando me reformasse, a inventar estórias para aqueles desenhos, a imaginar fantásticos percursos e poder ir ao Peter para encontrar verdadeiros herois solitários, de carne e osso e pele curtida, olhar vago e imenso... que chegam e partem de e para todos os cantos do mundo...
Os portos devem ser lugares fabulosos! De vida! De saudade! De encontro! De esperança tambem...De herois anónimos de que ninguém fala...mas esta marina é apenas mágica!

Valha-me isso

Estou enfiada num quarto de hotel no Funchal...de nada me servem as espreguiçadeiras da piscina ou a varanda com vista para Atlântico...olho os turistas com deconfiança...só eles têm direito a usufruir de tudo...

Estou em trabalho e a responsabilidade às vezes provoca-me cólicas...um horror! Normalmente não é assim...mas desta vez é...

É injusto, mas tem que ser.... As vezes o meu trabalho castiga-me...espreito o mar e queria sair pela janela a voar... mas depois penso que amanhã tenho que entrar, pelos meus próprios pés, na sala de formação...penso melhor e recuo, volto para o meu regime de clausúra...pelo menos inspirei a noite, ouvi o silêncio...Valha-me isso!!!
Volto para o ecran do computador....

domingo, 25 de novembro de 2007

És o máximo...








Olhou para as pedras de gelo no seu copo...
Claro que era whisky o que estava a beber e, claro que gostava de sentir no torpor dos sentidos, o invocar de recordações perdidas no tempo... sentimentos antigos... presos num passado longínquo... talvez irreais...

Um dia, predisseram-lhe o futuro, mas ele, sempre céptico, nunca quis acreditar em ciências divinatóroias...

E agora, tudo o que desejava, era esquecer as imensas linhas do destino, que cruzam, descruzam, confudem e se fundem para se perderem para sempre na sua palma da mão...

Já não destinguia bem, claro está! Seria da música que estava demasiado alta? Ou do fumo espesso?

Hà quantas horas estaria ali? Pressentia que havia muita gente à sua volta, mas ele estava numa espécie de cegueira...

SÓ...completamente SÓ...como todos os demais...a quem importa?
Abandonado e esquecido num bar... encostado ao balcão... apenas ele e o seu whisky on the rocks... afogado naquele líquido...
-"No soda, please"!

Não recordaria nenhum rosto, nenhum olhar, nenhuma presença... apenas as pedras de gelo no seu whisky preferido... e talvez uma música vaga... um refrão repetido, monótono e seguramente demasiado alto! E claro. o fumo...o nevoeiro que apagava os contornos e adoçava a triste realidade...

Continuou a beber...sempre...e mais... quantos seriam? Não tinha a miníma ideia... saberia no ticket da máquina registadora...mas que importa? A quem importa?
-"Mais um, por favor..."
Só mais um...e só mais outro ...e ainda só...

SÓ...apenas...no meio da multidão sem rosto...sem identidade...como ele próprio, diluido num liquido dourado...

Perdeu-se nas pedras que se derretiam lentamente no alcool amarelado, envelhecido... E depois, um enorme esquecimento sobrepôs-se a tudo...

Era novo? velho?..o whisky? Nunca saberia...

Acordou já tarde, no final da manhã... a boca tão amarga! e ouviu uma voz desconhecida e rouca sussurrar-lhe ao ouvido:

-" Querido, tens mau beber" ..."mas, mesmo bêbado, és o máximo!..."

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

terça-feira, 20 de novembro de 2007

impromptus-schubert

As nossas mãos


Sempre atarefadas e multifuncionais
entretidas a fazer coisas e mais coisas
e ainda muitas mais
Um dia tocaram-se
e ainda que
muito ao de leve,
pararam subitamente...
entrelaçaram-se
e saborearam o contacto,
ainda que estranho
apenas a pele na pele
ainda assim desconhecidas,
as mãos apertaram-se forte,
e tão mais fortemente
foram permanecendo...
Por um instante apenas?
Ou até aquela esquina?
Talvez para o resto do caminho?
Quem sabe se por um momento de ilusão?
Mas forte...e nada mais

domingo, 18 de novembro de 2007

Diálogo

Um dia ele agarrou-lhe o rosto entre as mãos e chorou baixinho:

-Vai haver sempre um sabor a vazio nos teus beijos e um rasgo de paisagem desértica no teu olhar

Ela desviou a face, sorriu vagamente e respondeu numa voz sumida...

-Querido, nada é definitivo...

No limiar do real


O sítio pouco importa...havia uma linha de água infinita, onde o rio se entrega ao mar...Ela recordaria aquele fim de tarde, mas só muitos anos depois quereria aí voltar, nessa altura já tinha perdido a memória do local...era péssima a orientar-se... isso todos sabiam...

-Estás a deixar arrefecer o café-disse ele, apenas para cortar o silêncio que se instalara...
-Devias saber que gosto dele frio- respondeu-lhe ela, sem que os olhares se cruzassem, num tom de indiferença, enquanto compôs uma mecha de cabelo desalinhada sobre a testa...

Claro que ele sabia, mas a luz fria e branca de inverno cedia ao entardecer...e o sol era engolido naquela imensidão de água...Ela recordaria aquele momento sim, mas para já ainda não desconfiava de nada e iria demorar a perceber..."também o tempo precisa de tempo"-diria mais tarde.

Não há urgência, nem brisa, nem sinais de maré...os ponteiros do relógio param e tudo fica irremediavelmente imóvel...não interessa que exista ainda consciência do que se passa e dos acontecimentos que se irião precipitar..

Ela começou a rabiscar um guardanapo, cobrindo-o de pequenas linhas paralelas, em formas geométricas, ele observava-a, como se tentasse decifrar um enigma formado por uma infinidade de traços...

Continuavam em silêncio, ele desejou ainda, pela milésima vez, abraçá-la, envolvê-la, até aconchegá-la...mas ao estender os braços compreendeu que ela era ou estava inalcansável...e no turbilhão de memórias que perturbaram aquela paisagem estática, queria apenas ouvir, nem que fosse por uma última vez, a sua voz, com retoques de doçura "vá, por favor, conta-me uma história", mas ela estava fundida com o infinito, no único sítio donde ele jamais poderia resgatá-la.

E uma certeza sobrepôs-se a tudo, a de que esse tempo não regressaria e ele não voltaria a adormecê-la...


Saudades do futuro


Manteve o livro aberto naquela mesma página, mas o olhar abstracto, seguia a estreita coluna de fumo do cigarro a elevar-se, lembrava-lhe vagamente a figura estilizada de uma bailarina, a executar no espaço movimentos livres, uma coreografia em "slow motion", de alguém que se tenta libertar do corpo, da gravidade, da própria materialidade ...

Também ela tinha uma série de sonhos em suspenso...e lembrava-se bem, o momento preciso em que tudo de repente mudou...e o tempo interior passou a arrastar-se no ritmo inverso da vida...como os relatos das estórias de encantar...

E o futuro? Mas que futuro? Conhecia apenas os dias que se sucediam como as contas de um rosário, como missangas de um colar...uma certas, outras irregulares mas todas seguidinhas...e de repente sentiu saudades do tempo em que conhecia o futuro...

sábado, 17 de novembro de 2007

Fica para outra vez...

Na penumbra, a um canto, junto às máquinas de flippers, existia este "dispensador" de música, carregado com os sucessos da altura, nas palavras de hoje, repleto de música "pimba"...
Quem quisesse cortar o silêncio reinante, sobrepor-se ao barulho da máquina de café ou fosse dominado por um impulso romântico em plena "hora-da-bica", só tinha que ler as etiquetas nos botões, colocar a moeda certa na ranhura, em escudos claro, seleccionar a música e, por uns breves minutos, ecoavam por todo o café, para pagante e não pagantes, estendendo-se á zona exposta à luz, mesmo juntinha à janela, os acordes de refrões conhecidos que eram trauteados "cause I miss you, I miss you...ohhhh I miss you..."
E a selecção recaia invariavelmente sobre música romântica, vozes que choravam dores de amores ingratos, não retribuidos, traidos e as saudades da separação, da perda... e a máquina lá chiava... num regiso de péssima qualidade, of course I miss you... Ohhhhh!...É que não havia outra escolha possível...
Apesar de estarmos em plena época da revolução de Abril, e o café ser frequentado por uma "certa esquerda", na hora da nostalgia, o Zeca não se encontrava entre as opções... e, é bom de ver, que os males de coração atacam à direita e à esquerda, quem é que não tem saudades de alguém? Há-se ser sempre assim...
É claro que a maioria dos frequentadores que enchiam a máquina de moedinhas, faziam-no tão somente pelo gozo, pelas gargalhadas que as letras provocavam, sobretudo os intermináveis refrões e pelo ridiculo das músicas...era um moeda em troco de uma boa disposição instantânea...e por isso a máquina fez grande sucesso na altura...
Mas a sua sorte iria mudar, as máquinas cairam em desuso, desapareceram dos locais com afluência. Actualmente existe uma nova versão, estamos na era digital, claro está! As pessoas andam por aí, sisudas, sonâmbulas, surdas aos sons da cidade, alheadas do que acontece à volta, ligadas umbilicalmente a um ipod...que garante em exclusivo, o que se quer ouvir...é mais cómodo e vai para qualquer lado. Não há embaraços públicos para quem tiver um súbito apetite por qualquer coisa do tipo I miss you...mas também não é tão divertido, garanto.

Hoje estava sonolenta, levantei-me com o propósito de escrever...escrever o quê? Pois é, o que quer que fosse ainda estava muito indefinido, vago, provavelmente ainda a germinar, a aguardar o momento... e apeteceu-me ter um destes dispensadores, em que, a troco de uma simples moeda, eu pudesse fazer sair uma fiadinha de palavras, pimba ou não, para introduzir aqui no blogue...

Só depois é que reparei que ontem, o arrumador de carros, me levou os trocos todos...e sem moedinha, não há nada para ninguém...Por isso fica para outra vez...

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Fernando Pessoa, Eros e Psique...


Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida.
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.
E, ainda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

Fernando Pessoa

Sim, sei bem
Que nunca serei alguém.
Sei de sobra
Que nunca terei uma obra.
Sei, enfim,
Que nunca saberei de mim.
Sim, mas agora,
Enquanto dura esta hora,
Este luar, estes ramos,
Esta paz em que estamos,
Deixem-me crer
O que nunca poderei ser.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Alice e o gato

- Podes dizer-me, por favor, que caminho devo seguir para sair daqui?

- Isso depende muito de para onde queres ir – respondeu o gato.

- Preocupa-me pouco aonde ir – disse Alice.

- Nesse caso, pouco importa o caminho que sigas – replicou o gato.

“Alice no País das Maravilhas”
Lewis Carroll

Se não tivermos objectivos dificilmente podemos orientar-nos, escolher uma direcção e um caminho. Os objectivos implicam escolhas pessoais, dependendo das prioridades que cada pessoa atribui a uma imensidão de valores. Mas existem outros factores, desde logo a possibilidade de escolher mas também o de surgirem as oportunidades certas para a concretização…
Mas sim, definir objectivos “é meio caminho andado”…e permite ter uma visão estratégica sobre a vida, o mundo...e o que quer que seja...Há pessoas tão perfeitas!

Concordo com tudo e tenho que treinar, no contexto do meu trabalho, a operacionalização dos objectivos e toda uma estrutura de argumentos, regras, exercícios e blá blá blá blá…...vou dispensar-me de contar tudo aqui...

Parece fácil mas não é...pelo menos para alguns... e a atitude da Alice é comum a muitas pessoas interessantes que conheço que não têm certezas absolutas, não sabem tudo à partida nem casam com a casa toda montada e os cortinados pendurados...tudo perfeito e tão lindinho...
Existem pessoas que se deixam seduzir pelo caminho, atravessam a vida como viajantes, escolhem mais a estrada que os destinos..e a mim esta ideia agrada-me... porque a maioria das coisas relevantes só se percebem totalmente quando passaram e nos podemos distanciar delas...e dizer...ah...se soubesse o que sei hoje!....inútil....a vida não funciona assim...com algumas excepções...
E as excepções são justamente os gatos sabichões...que desprezam os percursos e estão prontos para vencer as maratonas, derrubar barreiras, contornar obstácilos e avançar, avançar sempre, rumo a um destino pré-definido..qual salmão na desova no encontro com a morte...

Pessoalmente, sei que por vezes sou tentada por caminhos, às vezes corta-matos... e ainda hoje não sei qual é o meu destino, mas vou sabendo por onde ir…por isso discordo do gato, porque o caminho importa sim…a viagem pode valer por tudo o resto...

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Love me or love me not

Estou a carregar acriteriosamente as fotografias tiradas em Angola...porque sinto uma tremenda dificuldade em escolher, talvez até incapacidade... é que gosto delas todas. Não é uma questão de imodéstia, o verdadeiro motivo é que cada imagem me faz viajar no tempo e no espaço e me reporta a uma situação, a uma descoberta, a um testemunho, a um momento preciso, a uma estória, sempre à volta do mundo das emoções...e foram tantas, nesta terra tão generosa...Está assim justificada a falta de exigência estética, técnica ou qualquer outra...Não é grave, posso sempre regressar e corrigir a minha falta de selectividade...além de que os motivos são perfeitamente compreensíveis…

A minha relação com Africa é inexplicável...mas bem no fundo, no fundo sabemos que, se procurarmos as causas das coisas, tudo é explicável e explicado, tudo está carregado de sentido e significado, porque "o coração tem razões que a razão desconhece" e estas normalmente são sempre fortes, muito fortes....Mas posso afirmar que é uma relação muito antiga, quase tão antiga como eu, de facto até mais antiga do que eu...e remonta a duas gerações anteriores...Não posso esquecer as estórias de família, repetidas vezes sem conta, pela voz da minha querida avó mas também pelos pais e tios...Tudo documentado em álbuns de fotografias e objectos que constituem para mim autênticas preciosidades...relíquias que estimo e prezo, percebe-se bem porquê…

Africa, viver em Africa, fez sempre parte do meu imaginário de criança, de adolescente e de adulta...nasci e cresci com o coração virado para sul...e é para sul que me oriento sempre...não há volta a dar...gosto daquelas latitudes...do calor e dos cheiros, dos sabores e do ar, das cores e dos sorrisos, da crianças e das paisagens infinitas, de horizontes para lá do que adivinhável...

E se é frequente perder o Norte, certamente que sim, não será fácil perder o sul, com certeza que não...e sabemos bem que as relações idealizadas estão carregadas de romantismo e fantasia e facilmente resistem ao desgaste, ao tempo...

O meu olhar também é peculiar, a prová-lo está a minha câmara que captava sempre outras imagens, percepções, perspectivas e realidades...que em nada coincidem com o olhar dos outros expatriados meus colegas, que estavam e se mantêm por aquelas paragens apenas para ganhar "o seu" ...e os africanos sentem isso, sabem quando o respeito vem de dentro ou é apenas a atitude "politicamente correcta", porque estas coisas sentem-se...vá se lá saber como e porquê...mas eles sabem-no...

Africa é pois uma questão de "love me or love me not", desculpem-me os puritanos da língua, mas estou a escrever under english influence...mas também posso traduzir em línguas daquelas paragens, é que aprendi a dizer “Muxima wami wa Angola”, e é verdade, mais “Muxima wami wa Africa”...pois é....

Titi, tenho que ir à net para fazer o minha homework


Claro que antigamente não era nada disto! recordo a ardósia, a obrigatoriedade da caneta a tinta permanente, que deixava borrões nos cadernos e manchas entre os dedos...

Para quem não tenha vivido nesses tempos, sempre direi que cantávamos o hino nacional e rezávamos a ave-maria e o pai-nosso como quem recita a lengalenga da tabuada 2x1dois, 2x2quatro, 2x3seis e por ai fora...até parar nos 9x1nove, 9x2dezoito, 9x3vintesete...e 9x10noventa!!! Tudo o que desejávamos era que chegasse o NOVENTA!

A única diferença entre essas actividades colectivas e em coro, é que cantavamos a tabuada sentados, enquanto as rezas e o hino impunham que permanecessemos imóveis, de pé...e conforme o caso, fizessemos um ar compenetrados de pequenos beatos ou de minituras de heroís nacionais.

Naquela altura, se estivessemos nas nossas carteiras de madeira a fazer os trabalhos, tinhamos que nos levantar, sempre que um adulto entrasse na sala e, mantermo-nos de pé, em sinal de respeito, até nos ser dada permissão para sentar de novo.. Escusado será dizer, que um adulto era sempre respeitável...

Ainda havia as idas ao quadro, aí, era mesmo desejável que acertassemos, que encotrassemos as palavrinhas certas ou o números correctos, dali de cima do estrado, sentiamo-nos ainda mais minusculos e vuneráveis, expostos a todos, objecto de tantos pares de olhos atentos e mesmo ao ladinho da régua...sim, havia régua e não tinha um mero efeito intimidativo, era mesmo para usar, e era usada...e um dos piores momentos foi certamente testemunhar as réguadas aplicadas aos nossos colegas e amigos e não poder dizer ou fazer nada...fazia-nos a todos cumplices da humilhação...

Ficávamos sem intervalo...mas o pior era que o castigo com frequência se prolongava para casa, bastando um pequeno recado no caderno, e lá tinhamos nós num "hoje não brincas", "não vês desenhos animados", "não isto e aquilo" após um dia que não tinha corrido especialmnte bem ...

Os adultos estavam todos feitos uns com os outros e legitiavam-se uns aos outros, até davam uma "conotação afectiva" aos seus actos de violência..."se bate é porque se importa contigo..." e porque o complô entre os professores, os pais e a sociedade...tinha a nobre missão de transformar meninos maus em meninos bons...e sim, eles tinham a formula...e não era uma tarefa simples!!!

E era bom que o processo de conversão do meninos maus em meninos bons tivesse êxito, porque a haver qualquer falha e, apesar do esforço dos "grandes", se nós na altura tão crianças teimassemos em ser maus, mais tarde iriamos presos para trás daqueles muros assustadores e cinzentos com raras visitas da família e quando moressemos o destino implacável seria bem pior, pois niguém nos poderia livrar de arder para sempre no fogo do inferno sem fim, de labaredas ávidas....num castigo interminável...e sem direito a visitas...ponto final.

Por isso, sorri quando a "minha" Ana me põs fora do computador e disse num português quase irrepreensivel "Titi, tenho que ir à net para fazer o minha homework"...

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Florbela Espanca, Inconstância

Procurei o amor, que me mentiu.

Pedi à Vida mais do que ela dava;

Eterna sonhadora edificava

Meu castelo de luz que me caiu!

Tanto clarão nas trevas refulgiu,

E tanto beijo a boca me queimava!

E era o sol que os longes deslumbrava

Igual a tanto sol que me fugiu!

Passei a vida a amar e a esquecer...

Atrás do sol dum dia outro a aquecer

As brumas dos atalhos por onde ando...

E este amor que assim me vai fugindo

É igual a outro amor que vai surgindo,

Que há-de partir também... nem eu sei quando...

Florbela Espanca, Se tu viesses ver-me...

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...

Florbela Espanca, Ser Poeta

Ser Poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior

Do que os homens! Morder como quem beija!

É ser mendigo e dar como quem seja

Rei do Reino de Áquem e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor

E não saber sequer que se deseja!

É ter cá dentro um astro que flameja,

É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!

Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...

É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...

É seres alma, e sangue, e vida em mim

E dizê-lo cantando a toda a gente!

domingo, 11 de novembro de 2007

sábado, 10 de novembro de 2007

In the UK yehhhhhhhhh


Having fun as we always do! Don t we?

Manha no parque


Encontramos sempre formas de nos divertir, por isso agora sinto muito a tua falta...mas as primas falam muito em ti e o Alex vai adorar quando perceber que tm um primo grande para brincar com ele e protegê-lo

Vai acontecer...no Natal

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

A menina da flor de agua doce




É uma estória impressionante a desta "menina afegã" cuja identidade se manteve desconhecida apesar de ser uma das fotogafias mais famosas do mundo...

Steve McCurry fotografou-a num campo de refugiados afegãos de Nasir Bagh no Paquistão, durante a invasão da União Soviética ao Afeganistão, em 1984.

Em 1985, o seu rosto e o seu olhar verde percorreram o mundo, na capa da revista National Geographic, tornando-se um símbolo de sofrimento, dignidade e resiliência do seu povo... Mas da "menina afegã" nada se sabia...

Steve McCurry, tentou localiza-la em diversas viagens ao Paquistão e ao Afeganistão...e encontrou-a de novo, 17 anos depois numa zona remota do Afeganistão...


Chama-se Sharbat Gula, o que significa menina da flor de água doce... a orfã pertencente à tribo pastena tornou-se, após um percurso de vida atribulado, uma mulher, mãe de 3 filhas, que ainda se lembrava do momento em que fora fotografada por Steve McCurry, porque nunca o tinha sido antes ou depois... Desconhecia que a sua imagem tinha dado a volta ao mundo em fotos, posters, pins, tapetes, calendários e numerosas publicações... e que era a fotografia mais emblemática da NG.

Ela foi a inspiração para a constituição de um fundo da National Geographic Afghan Girls Fund que patrocina a educação de crianças e mulheres afegãs, criando novas oportunidades...
Sharbat Gulamas professa a religião muçulmana, e por isso foi o marido que permitiu que ela fosse entrevistada e mais uma vez fotografada, o que aconteceu para um documentário da NG, após o que a menina se escondeu por detrás da burca e regressou para o anonimato...
Mas deixou-nos os seus olhos de menina da flor de água doce para nos relembrar o quanto ainda há por fazer...

O seu rosto continua a ser um símbolo dos refugiados...